Hoje vou falar de um personagem da nossa terra, o Lepo. Chamava-se Paulo, desconheço o sobrenome dele. Aqueles que transitaram por Bebedouro, estado de São Paulo, nos anos sessentas e setentas (no plural mesmo, uma década é um período de dez anos) o conheceram. Como todo ser humano, trabalhou. Apenas o alcoolismo o afastou definitivamente das suas atividades laborais.
Num país em que a Consolidação das Leis Trabalhistas pune com a dispensa por justa causa o empregado com embriaguez habitual, uma patologia e não um vício social, a esperança fica por conta da jurisprudência que, nesses casos, tem dado respostas favoráveis ao trabalhador. Ainda bem, mas isso certamente não aconteceu com o Paulo. Esqueceram-se dele, a lei, possivelmente, enxergou apenas o Lepo.
A intenção não é expor, de um jeito negativo, o calvário de alguém tão singular. Apenas o situar no seu tempo de uma maneira transparente, elegante, sem comentários jocosos. Mesmo diante de uma existência pautada por infernos astrais. Quem não tem os seus?
Assim como outros, não é mencionado nem mesmo na periferia da nossa História oficial, tampouco como uma advertência. Deixaram-no à margem de qualquer essencialidade. Lamento por isso. Mas no tempo psicológico dos seus contemporâneos sempre haverá um espaço para reflexões a respeito de todas as modalidades de vivências com ele.
Antigamente, na Sintaxe, parte da Gramática que estuda a palavra não em si, mas com relação às outras que com ela interagem para expressar o pensamento, havia o Sujeito Oculto da oração. Na condição de termo essencial da oração, o sujeito jamais poderia ser oculto. Por seu lado, a História mantém oculto o sujeito que é visível na historicidade dos fatos. Duas baitas incongruências.
Não se quer aqui fazer monumentos. Mas alguns cidadãos anônimos os merecem mais do que certas pessoas que são consideradas destaques. Isso para ficarmos apenas no terreno da probidade. No contexto da historiografia, infelizmente, o cidadão comum não é levado em conta. Um corte pouco criativo feito pelos historiadores.
Nos seus momentos de lucidez, o Paulo - que não era da família espiritual do Lepo - foi um homem extremamente cortês. E culto, por sinal. Um ser humano íntegro por inteiro. Quando mergulhava em estados etílicos, dando lugar ao Lepo, vagava pela cidade contrariando a lógica linear dos seus passos. Como se representasse um personagem, incorporava trejeitos ao seu gestual. Nessas condições, não economizava elogios nem ofensas. Neste último caso, sejamos claros: apenas quando provocado.
Não posso deixar de lavrar um flagrante da minha admiração pelo Paulo que, por alguma adversidade, deu vida ao Lepo, o nó da existência dele.
Augusto Aguiar augusto-52@uol.com.br www.m-cultural.blogspot.com http://stilocidade.webnode.com