Salvo erro da minha parte, Jiddu Krishnamurti (1895-1986), pensador indiano, foi quem escreveu: “Quando outra pessoa diz algo novo, ficamos atrás de uma cortina de resistência. Sendo assim, não escutamos a voz de quem nos fala, mas as nossas próprias vozes”. Ele é um dos grandes pensadores do século 20.
Por isso, quando alguém diz que a amizade é um patrimônio que merece proteção, escancaro os meus ouvidos à voz do outro. Como é maravilhosa a amizade sincera entre duas pessoas (inclusive quando se xingam). E, às vezes, isso ocorre, faz parte. No entanto, há uma dose de amor nesse tipo de ofensa. Tal afirmação parece exagerada. Mas não é.
Mesmo se houver um afastamento entre elas, será efêmero. Vejam, por exemplo, quando, num eventual período desses, numa roda de bate-papo estiver apenas uma delas. À simples menção do nome da que está ausente, a que está na roda exibirá a expressão facial dos avós de um netinho fofinho que chega para uma visita.
Quando passo pelos Cafés da cidade, algo raro, adoto a postura de Krishnamurti. Nessas ocasiões, ouço histórias diversas. Presto atenção sem resistência. Com algumas histórias, aprendo muito. De vez em quando, encontro por lá dois caras que são muito amigos um do outro. Pactuam uma amizade invejável. As “novidades” que me contam são instigantes.
A fofoca e o boato são autônomos. Ou seja, cada qual tem vida própria. No entanto, o boato se divide em verdadeiro ou falso. Quando esses dois me contam fofocas, o talento deles – constituído de um magnetismo envolvente - faz com que esse gênero de notícia perca o caráter transgressivo e assuma contornos de algo sério, sem maledicência (?). Caso sejam boatos, vindo deles, são sempre verdadeiros.
Por isso, quando há algum assunto fervilhando pela cidade, o agente da cena some dos Cafés ao saber que a dupla já têm conhecimento a respeito da veracidade ou não do boato em que está envolvido. E como o leitor sabe, quando o assunto é fofoca ou boato o lugar comum desaparece, surge uma obsessão.
País de forte apelo religioso ao catolicismo, resultado das suas razões históricas, o Brasil renova a cada ano o ciclo das comemorações das festas juninas, todas atreladas a estes santos da Igreja Católica: Santo Antônio, São João e São Pedro.
Recentemente, no dia de São João, num dos Cafés da cidade, os dois amigos me chamaram para o centro da roda. Gosto de conversar porque, assim, posso aprender com as pessoas, mas, naquele momento, vi minha ida ali como um grande erro.
Fizeram-me uma pergunta maledicente em tom de fofoca:
- Qual é a sua religião?
- Católica Apostólica e Romana. Nela, sou Cursilhista. – respondi - Nos altares de muitas igrejas, as imagens de São João Batista, algumas vezes, estão só com a túnica acima de um dos joelho; outras, com um deles e parte do tórax à mostra. Desse jeito, ficam com um quê erótico. Por quê? – perguntaram-me como se me interrogassem. E quando perguntam, o fazem com um quê detetivesco como se já soubessem a resposta. Naquele instante, contrariei Krishnamurti e me enfiei atrás de uma cortina de resistência. Um tumulto de opiniões ocorreu entre eu e eles. O diabo não estava lá, mas mandou aqueles dois representantes. O jeito foi eu me arrancar dali. Mandei Krishnamurti às favas. Os dois amigos também. Hoje, recebi a conta do café que não paguei devido à minha saída precipitada do local.