Carta fora do baralho

Certa vez, um jornal me solicitou que redigisse um artigo opinativo. O tema me foi passado no ato da solicitação. Além disso,  outras pessoas escreveriam a respeito do mesmo assunto e a publicação seria na mesma edição. As matérias foram publicadas, menos a minha.

Não me foi adiantado se o meu artigo só faria parte da edição na eventualidade de algum dos convidados não honrar o compromisso assumido. Mas é (im)possível que o solicitante se esqueceu de publicá-lo. Se não foi esse o motivo, só posso concluir que  escrevo muito mal e – na época - o responsável pelo jornal teve a delicadeza de não me falar.

De um lado, eu não me interessei em aprofundar discussões. De outro, talvez a tal pessoa quisesse dar um caráter mais profissional às páginas do jornal e me deixou de fora. Sei lá.


No entanto, meti na cabeça que escrevo mal. Fiquei depressivo, tive de tomar remédios controlados, fiz terapia.  Enfim, vivo assinando artigos e me apresentando como escritor independente. Que vexame. Diante dessa conclusão, peguei o meu notebook, que atualmente substitui a caneta e o caderno de rascunho, e o coloquei junto com minha foto sobre o altar que temos aqui em casa. Nele, minha família e eu praticamos, fervorosamente, a fé cristã. Mas não colocamos contracheques de salários dentro da Bíblia  com a finalidade do dinheiro se multiplicar. A questão de escrever é algo mais abstrata.


Em seguida, pensei: se o padre incensa o altar, não vejo nenhum problema em jogar  alguns galhos de arruda sobre o notebook e a foto enquanto permanecem por lá. Desse jeito, evito aquela fumaceira que o incenso provoca. O altar, por sua vez, acolhe todos os gestos litúrgicos. Além do mais, a arruda tem um quê de mística. Quem sabe o meu jeito de escrever melhora.


Não reparem nos escorregões verbais, mas a seguir, meio sem jeito, publico o texto que o tal jornal deixou de publicar:

“Um conselho: matéria sobre política não incrementa vendas, assinaturas e publicidade. As matérias sobre comportamento, sim’. Esta é uma receita de Tales de Alvarenga, ex-diretor editorial de Veja e Exame, falecido em 2006.


A conceituação é técnica. Portanto, parabéns pela coragem deste jornal se aventurar em matérias de natureza política - sobre o mesmo teor e na mesma edição – assinadas por articulistas diferentes.


Certa vez, estive em Brasília, poucos parlamentares estavam presentes à sessão da Câmara dos Deputados. Perguntei a um funcionário:

-O absenteísmo se deve aos baixos salários dos parlamentares?

-Não, os salários são altos – disse-me.

-Qual a reação quando cobrados pelo povo, pela imprensa? – indaguei.

-Às vezes, alguns ficam ruborizados – respondeu-me.


Lembrei-me das palavras de Torquato Jardim, ex-ministro do Supremo Tribunal. Acertou quando disse: ‘O direito eleitoral é o único em que o legislador é o destinatário exclusivo da norma’. O exemplo – se fizermos um paralelismo - contempla a frequência dos parlamentares apesar da questão elencada estar sob a égide do Regimento Interno daquela casa de leis.


Estas considerações não esgotam o debate sobre o tema. Mas fica aqui um alerta: a classe política tem sido penalizada pela postura dos maus políticos. Esta é uma análise a ser levada em conta nas conceituações. Não existem apenas maus políticos. Há bons políticos no contexto geral, mas ficam prejudicados, anulados, diante do quadro político no momento atual. Se a política é fraude institucionalizada por alguns, sirvam-nos, portanto, os maus políticos de advertência; os bons, de exemplo”.


Depois disso, procurei me revestir dos cuidados necessários a fim de não prejudicar as pessoas. Algumas vezes, órgãos públicos me pediram para redigir um ofício. Noutras, algumas pessoas me pediram para que redigisse os seus discursos a serem proferidos em solenidades. Nesse universo de pessoas, uma me pediu o artigo que menciono neste texto.


Então, quero me redimir com todos, apresentar-lhes a minhas sinceras desculpas. Com certeza, passaram vergonha. Quer com os ofícios que fiz, quer com os discursos. Com o artigo para o jornal, não. A tempo, foi  para o lixo ou a lixeira do computador daquele órgão de imprensa.


Augusto Aguiar

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