Sylvio Gagliardi (1917-2002) foi um homem com o ego no lugar. As suas deliciosas piadas e anedotas eram um espetáculo. Contava-as de uma forma que despertava a percepção do ouvinte. Seria capaz, não tenho dúvida, de contar uma piada ou anedota para Monalisa, de Leonardo da Vinci, retratada com uma expressão introspectiva, e fazê-la abrir um sorriso horizontal. Foi uma dádiva generosa para aqueles que o conheceram. Tive esse privilégio.
Em meu livro, Mosaico Literário: Poesias e Crônicas, lançado em dezembro de 2013, dedico-lhe um capítulo, Episódios do Motinha, que contém as crônicas desse meu personagem. No entanto, nem de longe ele se iguala a Sylvio Gagliardi.
Motinha, um brasileiro em tempo integral, é o protagonista da crônica abaixo. Personagem de ficção, as suas histórias transitam pelo cotidiano de todos nós. Caricatura do brasileiro comum, homem das ruas, ligeiro no seu gestual, usa o seu inconfundível chapéu de malandro, toca a vida num tom informal e propõe um humor refinado. Algumas vezes, lírico. Outras, mais incisivo, sem beirar a acidez como o de Millôr Fernandes, por exemplo.
Ele não é o outro lado do autor, mas este sempre colabora com alguma experiência vivenciada. Vamos, portanto, conhecê-lo. Apesar disso, é impossível alcançar o talento de Sílvio Gagliardi, um gênio em estado puro quando o assunto era piada e anedota. Um dia, Bebedouro perdeu Sylvio e, por extensão, a sua alma leve.
EPISÓDIOS DO MOTINHA
O lixo atômico
Na sala de espera do consultório dentário, Motinha - com o seu inconfundível chapéu de malandro - ouve a conversa de um engenheiro nuclear e um professor.
- Viveremos um sério problema com o lixo nuclear – comenta o engenheiro.
- O curioso é que o presidente Obama é entusiasta da ideia de que a energia nuclear é a maior fonte de combustível e não gera emissões de carbono – explica o professor.
- É natural a postura dele, pois os Estados Unidos dependem do combustível fóssil (petróleo) de outros países – explica o engenheiro.
- Países com pequena extensão geográfica e com pouca fonte de hidroeletricidade comungam da mesma opinião de Obama – lembra o professor.
- Os rejeitos atômicos, ou seja, o lixo nuclear – disse o engenheiro - pode ser reciclado. No entanto, o lixo de alta radioatividade não reciclado irá para depósitos subterrâneos. Sempre haverá um risco.
O professor percebendo que Motinha estava atento ao assunto, disse-lhe:
- O lixo atômico é um problema quase insolúvel.
- Não, não é. – responde Motinha.
- Não sei por que o senhor diz isso – interrompe o engenheiro.
- O problema do lixo atômico? – pergunta nosso personagem.
E conclui:
- Não se espantem, porque a solução é fácil. É só levá-lo para o Triângulo das Bermudas.
Augusto Aguiar augusto-52@uol.com.br www.m-cultural.blogspot.com http://stilocidade.webnode.com