Há pessoas que matam impiedosamente para não morrerem dessa forma. Nas guerras, por exemplo. Depois, caso transpuserem esse obstáculo, algumas tomarão gosto e continuarão matando. Outras, não.
Conheci uma que, na adolescência, colocava açúcar num utensílio e o deixava dentro do forno de micro-ondas desligado. Enquanto milhares de formigas se fartavam com o açúcar, ligava o eletrodoméstico. Uma versão moderna do que o vovô dela fazia no fogão de lenha.
Mudou-se para os Estados Unidos, fez concurso para trabalhar com cadeira elétrica e foi aprovada com louvor. Esse tipo de execução perdeu espaço,a partir de 1978, para a injeção letal. Esta foi considerada mais humana (?).
Devido a isso, a tal pessoa fez um curso de enfermagem, teve o contrato de trabalho alterado. Há anos está nessa atividade, mas não quis se aposentar ao atingir o tempo necessário. Continua matando legalmente e de um jeitinho mais humano, segundo os que assim consideram a injeção letal. Não gosta que ninguém toque o seu instrumento de trabalho. Mesmo assim, vai ao culto religioso aos domingos.
Existem pessoas que nasceram ouvindo Chopin, leem Shakespeare, batem duas ou três línguas fluentemente. Nas conversas, quando jogam "culturinha", dizem: "(...) gosto do Chico, Caetano e Tom". Elas têm uma conta bancáriapolpuda. A fim de preservarem a tradição, não derreteram o berço de ouro. Apesar disso, matam; com balas de prata, mas matam.
E as pessoas que matam o tempo? Poderiam exercer atividades que salvam vidas. Abstendo-se de exercê-las, matam por tabela. Por outro lado, muitas não matam nem um mosquito. No entanto, procedendo assim, permitem que outras morram por contraírem dengue.
Enfim, matematicamente, existem milhares de desdobramentos de jeitos de matar. Nenhum para driblar a morte.
Augusto Aguiar augusto-52@uol.com.br www.m-cultural.blogspot.com http://stilocidade.webnode.com