Em um dia de São João Batista, logo pela manhã, passei pela Esquina do Pecado. O Ângelo Latorre Daólio, Defunteiro Emérito de Bebedouro, colocava as placas, com as notas de falecimentos, nas paredes externas dos Cafés. Próximo, o Chico Senna olhava-o com um olhar vago. Aliás, o olhar do Chico parece que está sempre procurando algo no horizonte.
O Ângelo disse-me: “Na sua vez, vou inovar. Colocarei placas digitais.” E deu aquela sua conhecida risada. O Chico voltou da linha do horizonte e sorriu sem mostrar os dentes. Deve ter vindo de trem bala, aquele tipo de sorriso foi no ato.
Em seguida, o Defunteiro perguntou-me: “Aonde vai, Guto?” Respondi: “Vou à Igreja Matriz, por quê?” Ele disse-me: "A gente vai junto.” Então, sugeri: “Por que você e o Chico não vão descascar a laranja de concreto da Concha Acústica?” No final das contas, fomos à igreja, mas, naquele momento, vi minha passagem pela Esquina do Pecado como um grande erro.
Não era horário de missa. Com a igreja vazia, sentamo-nos na primeira fileira de bancos. Fiquei entre os dois. De sacanagem, com a coxa direita, ele empurrava o meu corpo contra o do Chico. O padre José Figuls que, mesmo aposentado, ficava por ali aconselhando os paroquianos, aproximou-se e disse: “Aqui não é o lugar correto para orações. Para isso, os senhores devem ir ao Sacrário.”
Lá dentro, o Defunteiro cutucou-me com o cotovelo. “Viu Guto, poderíamos ter ficado sem essa. Quá, quá, quá, quá, quá.” Em seguida, perguntou-me o motivo da imagem de São João Batista, que fica no Altar-mor da matriz, estar com a saia levantada acima de um dos joelhos. "Não é saia, Ângelo. É uma túnica.", expliquei-lhe. E ele continuou: “A imagem exibe um corpo sarado, por quê? E quando ele pergunta, o faz com um quê detetivesco como se já soubesse a resposta. O Chico deu aquele sorriso de Cid Moreira. E o Ângelo insistia: “Explique, Guto. Explique!”
O padre José escutou as gargalhadas do Ângelo dentro do Sacrário e foi lá. Assim que ele chegou, eu disse ao Ângelo: “Pergunte ao padre José.”
