Posteriormente ao dia de sua morte, matérias a respeito da brilhante obra literária de Ferreira Gullar (1930-2016) são publicadas em todos os suportes de textos: jornais, revistas etc.
Diante disso, prefiro mencionar um fato que aconteceu no início da carreira dele. Morava numa pensão sossegada, Rua Buarque de Macedo, 56, bairro do Catete no Rito de Janeiro, um sobrado carcomido, com jardim, escadinha até a varanda, sem placa, a 400 metros do palácio do presidente da República.
Dividia um quarto com Carlinhos de Oliveira, futura estrela da crônica carioca (escreveria no Jornal do Brasil) e com Oliveira Bastos, aspirante a crítico literário. Um tabique dividia o cômodo em duas partes. Gullar dormia na menor, num colchão de capim compacto e ressecado.
Aos domingos, sem refeições na pensão, os três iam ao restaurante do chinês Shio, na Rua do Riachuelo, perto da Lapa. Adoravam o “arroz com galinha tite”. Comiam lambendo os beiços, mas intrigados com o nome do prato. Seria alguma palavra da culinária chinesa? Shio, o proprietário, gritava para o cozinheiro: “Sai três tite com arroz!”. E lá vinha um trivial frango ensopado.
Um dia Gullar perguntou a Shio por que “galinha tite”?
- Vou mercado, “Plaça” Quinze, tem num canto galinha tite, tite. Compro mais barato, né?
Triste porque doente. Ninguém comprava, exceto o chinês. Nunca mais eles fizeram refeição lá.
Fonte: Órfão da Tempestade, a vida de Carlinhos de Oliveira e da sua geração, entre o terror e o êxtase.
Autor: Jason Tércio.