É sempre saudável pesquisar nossa história e conhecer personagens do passado que nos deixaram precioso legado para vivenciarmos como cidadãos e cristãos do século XXI.
João Paulo I ficou apenas 33 dias à frente da Igreja: de 26 de agosto a 28 de setembro de 1978. Esse curto período, no entanto, foi o suficiente para deixar uma forte impressão naqueles que o conheceram.
O fato de ter sido eleito Papa fez com que também seu passado fosse melhor conhecido. Descobriu-se, por exemplo, que por trás de seu sorriso tímido havia muito de humor e mesmo de uma fina e delicada ironia.
Durante o tempo em que esteve à frente do Patriarcado de Veneza, o então Cardeal Albino Luciani escrevia para uma revista mensal. Acontece que seus artigos tinham uma originalidade: eram cartas abertas dirigidas a certas pessoas ou a personagens de ficção, que viveram em outras épocas. Ele as escrevia como se seus destinatários fossem “velhos amigos” contemporâneos.
Uma dessas cartas foi dirigida ao famoso abade de Claraval, São Bernardo, doutor da Igreja, falecido em 1153. São Bernardo foi monge e fundador de um mosteiro que atraía nobres e intelectuais da época. Ficou famoso por sua sabedoria e notabilizou-se pela quantidade de cartas que escreveu, das quais temos, ainda hoje, pouco mais de quinhentas. Uma delas, a vigésima quarta, apresenta um resumo da visão cristã de governo e serviu de orientação a um conclave que deveria eleger um papa. Diante de três candidatos, os cardeais estavam em dúvida quanto à escolha do futuro pontífice. Um se distinguia pela santidade, outro pela elevada cultura, o terceiro, pelo senso prático. Qual escolher? Um cardeal lembrou-se da carta de São Bernardo e disse: “Vamos aplicá-la e tudo correrá bem. O primeiro candidato é um santo? Pois bem, que reze por nós, pobres pecadores. O segundo é um sábio? Ótimo, que escreva e nos ensine. O terceiro é prudente? Esse nos governe e seja eleito papa”.
Recordando esse episódio, o Cardeal Luciani pede ao Abade novos conselhos úteis aos que hoje estão preocupados com os múltiplos desafios de servir ao povo. Em resposta,
Bernardo lhe observa: “Se é prudente, governe, escrevi naquele tempo. Se você governa, seja prudente, escrevo agora. Isto é, tenha bem firmes na cabeça alguns princípios básicos e saiba adaptá-los. Que princípios? Por exemplo, um sucesso aparente, embora glamoroso, e na realidade um insucesso, caso tenha sido conseguido menosprezando a verdade a justiça e a caridade, pois quem ocupa um cargo está a serviço dos outros. Quanto maior for sua responsabilidade, tanto mais necessária será a ajuda de Deus. Os grandes princípios devem descer à vida dos homens. Os homens são parecidos, mas nenhuma é perfeitamente igual à outra.
Para o Abade, a prudência deve levar à ação, num processo executado em três tempos: 1º – a deliberação, isto é, a procura dos meios que conduzem ao fim; 2º – a decisão, que é a escolha do que for melhor; 3º – a execução, que deve ser firme e corajosa.
As cartas de São Bernardo para o Cardeal de Veneza terminam com uma chamada de atenção para o risco de alguém ser “escravo da opinião pública” (A voz do povo é a voz de Deus. Será?)
É importante saber relativizar tanto os elogios quanto as críticas recebidas, já que o povo nem sempre e objetivo e confiável. Já está mais do que provado que muitas reações populares são vulneráveis e sujeitas a manipulações nem sempre conformes à verdade e autenticidade dos fatos.
Cônego Pedro Paulo Scannavino Paróquia São João Batista