A última noite de Maria Santíssima

No dia 1º de novembro de 1950, o Papa Pio XII, após sondar a tradição da Igreja e ouvir todos os bispos católicos (1949), promulgou solenemente a “Assunção de Maria”.

A Igreja verbalizava, assim, com clareza e em caráter definitivo, uma antiquíssima convicção da fé cristã. Do Concílio de Calcedônia (ano 451) ao Concílio Vaticano I (anos 1869 – 1870), a crença de que Maria, por sua vida singular, estaria, já agora, na glória de Deus, foi professada por incontáveis cristãos.

Esta é a nossa esperança: que um dia, para além da morte e do mundo, seremos acolhidos por Deus com tudo aquilo que compôs a nossa vida. Não apenas naquilo que fomos lá dentro de nós mesmos, em nossa interioridade (alma), mas também com tudo aquilo que, no âmbito de nossa vida, aprendemos a querer bem e que, por isso, passou a integrar a totalidade de nosso ser (corpo).

Dentro e fora, o que fomos em nossos secretos sonhos (alma) e o que conseguimos ser em nossa realidade (corpo), o que construímos em nossa interioridade (alma) e o que partilhamos com os outros e recebemos do mundo (corpo), tudo compõe a nossa vida.

Corpo é muito mais do que apenas um amontoado orgânico de células – a nossa carne. Ele é também o olhar, a destreza dos dedos, a generosidade das mãos, a palavra, o ouvir, o saltar, o dobrar os joelhos, o suor, a lágrima, a luta, o afago que se dá e se recebe, o beijo, a carícia do coração... Ainda que nos sintamos bem em nossa pele, nossa carne não é apenas o lugar do nosso ser, a visibilidade ou o sacramento do nosso mistério. Ela é também um limite e, em muitos casos, um terrível sofrimento. Nosso coração quer voar, mas a carne nos retém ali. A saudade nos convida para longe, mas, no cárcere de nossa carne, não podemos abraçar a pessoa amada. O espírito lúcido ainda quer realizar tantos sonhos, mas a força dos braços já não nos permite. As dores inexprimíveis, cravando-se na carne, roubam toda a nossa alegria de viver.

Um dia, assim o cremos, no ocaso de nosso mundo e na manhã da eternidade, os limites cessarão e os sacramentos já não serão mais necessários, pois veremos a graça face a face. Para trás ficarão alguns restos, já não mais necessários, pois foram apenas o lugar de maturação para o nosso último destino: a morada de Deus.

Em torno do ano 600, o Imperador Maurikios Flavios Tibérios determinou que fosse celebrada, em todo território oriental do Império Romano, no dia 15 de agosto, a Festa da “Dormitio Marie” (o sono de Maria), em recordação ao dia em que Maria, Mãe de Jesus, teria deixado este mundo e ido para o Céu. No corpo, o cansaço de muitos anos; na alma, a saudade de seu Filho. Ela adormeceu! Naquela noite, enquanto dormia, vieram do Céu multidões de anjos e, tomando-a nos braços, carregaram-na para junto de seu Filho.

Verdadeiramente, para nós que cremos, nunca a morte será o fim, mas um sono em que, desfeitos de nossos limites, finalmente voaremos ao encontro de Deus, nossa origem e nosso último destino.


Cônego Pedro Paulo Scannavino
Paróquia São João Batista
Clima Bebedouro

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