“Para estar junto não é preciso estar perto e sim do lado de dentro”. (Leonardo da Vinci)
Era uma vez um pintor que estava fazendo o retrato de uma bela jovem. Para ele era admirável a pintura daquela adolescente. O que mais o atraía era a beleza daquele rosto que ele reproduzia com a maior felicidade. A propósito era incrível a semelhança da tela com a expressão da jovem.
O pintor em êxtase tornava-se obcecado pela arte que estava construindo. Raramente desviava os seus olhos que ficaram fixos e presos ao retrato. Com a inteligência obstruída, quase que hipnotizado pelo fascínio que o quadro aos poucos ia despertando, ele cuidava dos mínimos detalhes, aumentando o impacto que a obra causava. Parecia até que a tela tinha vida!
A protagonista deste espetáculo era uma jovem alegre, feliz, enfim perfeito modelo para o pintor. E tudo aconteceu tão rápido! Um dia ela apaixonou-se por seu professor e logo ficou noiva do artista. Ela só não sabia que aquele homem solitário possuía “outra obra de arte” que o absorvia com muito mais intensidade.
A jovem amava a vida e tinha amor por tudo, ou melhor, quase tudo, menos por aquela sua rival: a arte! E pensou, até quando ela seria a vítima? Mas a vida acontecia assim mesmo. Ela posando e ele pintando. Eram essas as regras do jogo: pincéis, paleta, tintas coloridas, tudo que a privavam de amar o seu amado. Assim mesmo ela aceitava posar para o retrato, demonstrando humildade e obediência.
Durante semanas ela mal se alimentava. Permanecia no isolado e mal iluminado cômodo, sem ventilação, misturando-se com o forte cheiro das tintas. O pintor perfeccionista não via nada a não ser o seu trabalho e a cada pincelada aprimorava mais e mais aquela pintura especial. E nesse propósito prosseguia horas, dias, porque o amor à arte era obsessivo e causava delírio de satisfação no artista, impedindo-o de notar que a noiva aos poucos empalidecia. Ela silenciosamente não se queixava de nada, não mudava a expressão, pelo contrário, sentia-se feliz ao vê-lo trabalhar dia e noite, tomado pela obra, mas ela aos poucos tornava-se mais fraca e sem vida. Todos notavam isso, menos o artista que se dedicava cada vez mais à obra, revelando o melhor do seu gênio criativo. O resultado não poderia ser outro: Sua notável, expressiva e rara obra de arte.
Quando estava próximo ao término, não permitia que ninguém mais entrasse na sala de pintura e ele concentrando-se nos detalhes da tela não desviava o olhar do quadro, nem mesmo para contemplar o rosto da noiva porque, se o fizesse, verificaria que as cores que espalhava sobre a tela ele não a estava tirando da paleta, mas das faces daquela que permanecia inerte à sua frente. E a obra estava quase terminada! Só mais um detalhezinho na linda face, um toque na boca, um colorido mais brilhante nos olhos, nos cabelos e pronto! Agora sim, tudo estava perfeito, não fosse o espírito da jovem, como a chama de uma vela tremulando parecendo despedir-se da vida.
Finalmente o pintor parou deslumbrado diante do retrato e enquanto contemplava exclamava: “Que esplêndido ficou! A arte é a própria vida! Como a vida é bela!” Voltou-se então para conversar com sua noiva... Tarde demais! Silêncio absoluto, ela estava “morta”.
Esta historinha nos traz uma importante verdade: Todos nós temos outra obra de arte. Para uns é o dinheiro, para outros o trabalho, o poder, o aplauso do público, a popularidade, enfim muitas outras “meias verdades” que confundem, camuflam tentam colorir com fantasias e ilusões o que nunca vai se revelar como uma verdade verdadeira.
Reflexão – A nossa vida não é tão diferente da realidade do pintor. Temos em casa bem ao lado, a nossa obra de arte, mas preocupamo-nos com outras obras de arte, estranhas ao lar. E a obra de arte que deveria ser “essencial” fica relegada a um segundo plano. Ela pode até morrer, e o pior, às vezes antes de morrer... E um dia o cara vai dizer: “Eu era feliz e não sabia!”.
Para legitimar a dualidade dos cônjuges veja o que vem de Rainer Rilkes: “Amar é uma via de mão dupla: duas solidões protegendo-se uma a outra”
E aí, fala sério, será que já não está passando da hora de enxergar a sua legítima obra de arte bem perto de você?
Antônio Valdo A. Rodrigues