“Na velhice os passos são lentos porque o ancião carrega uma criança, um jovem e um adulto na sua própria história”. (Dawi Roballo)
Vocábulo – O termo ‘solitude’ não é muito usual, mas existe no dicionário na realidade e no entardecer da vida. Nada a ver com solidão. Solidão é o estágio de quem vive só, tristemente, isoladamente, carregando muita sofrência, e inconformação. Tudo bem que família é família, a razão de tudo. Mas, até a família, é passageira. Há um momento em que a família sofre mudanças físicas, geográficas, emocionais e o que um dia foi ‘vejam-se mais’, é agora, ‘afastem-se mais’. E o sinergismo do ‘eu estou aqui, bem pertinho de você’, não vai além do aniversário, natal e poucas outras datas...
Solitude – É diferente. É uma abordagem poética, romântica, inteligente para fugir do bulício do mundo e encarar o envelhecimento na boa. É compreender que tudo, mas tudo mesmo na vida do ancião é ilusão que ficou no passado. O ancião nos seus oitenta anos sabe aceitar essa condição pretérita e ninguém tem o direito de interferir neste processo. Solitude é opção, uma espécie de ‘mal menor’ para evitar um ‘mal maior’. Não deixa de ser uma solidão. Só que melhorada, compreendida, conformada, sem temor, mas com amor. É não se ‘contaminar’ com a insensibilidade do mundo. É não permitir que os costumes não interfiram nos poucos anos que ainda se tem de vida. O mundo é essa coisa para todas as pessoas e não lhes dá o privilégio de não aceitar mudanças.
Um convívio – Um dia perguntaram a uma anciã: ‘Quantos anos você tem?’ E ela respondeu: ‘Eu tenho os anos que me restam!’ Corretíssimo! Solitude é desse jeito, pouco interessa recordar as décadas que ficaram no passado. E nesse mesmo dia, tanto insistiram que, a avozinha, mesmo estando em ‘confortável ‘solitude’, resolveu abrir uma exceção, comparecer à festa na escola, para ver a sua netinha de quatro anos. E chegou o momento esperado, ver os miúdos.
O espetáculo – Era uma graça! Ao som de um violão as crianças cantavam alegremente a música ‘O Sabonete’ e com as mãozinhas faziam os movimentos que a melodia sugeria. ‘O sabonete lava o meu rostinho. Lava os meus pezinhos. Lava minhas mãos. Mas Jesus, pra me deixar limpinho, quer lavar o meu coração. Quando o mal faz uma manchinha, eu sei muito bem quem pode me limpar. É Jesus, eu não escondo nada... Tudo Ele pode apagar’ E a avozinha foi para casa pensativa. ‘Tudo Ele pode apagar. Será mesmo, tudo?Até o passado mal resolvido?’
Solidão ou Solitude - Há uma diferença. Na solidão o ancião ‘acha’. Ele conhece a teoria. Na solitude ele ‘acredita’ que a última empreitada humana faz parte do contexto da vida. A solidão não tem paciência para compreender. A solitude vê sentido no significado da vida. A solidão é uma ilha de incompreensão e isolamento. A solitude sabe que o envelhecer, pode ser nostálgico, mas é assim a vontade do Criador. A solidão murmura e muito. A solitude se cala, silencia, auxilia e serve. A solidão vê problemas. A solitude busca o engajamento com as transformações. A solidão exige atenção, paciência e perfeição dos outros. A solitude é tolerante porque sabe que todos estão na ‘fila’ e que envelhecer é um processo para aprender mais, e se desentender menos.
Mundo difícil – O mundo está complicado de se viver porque muitos são da solidão e poucos da solitude. Muitos vivem acostumados com a rotina vazia, com a ausência de Deus em suas vidas. Não querem saber ainda que Deus é a única rotina perfeita. O cotidiano é insuportável! Sem a presença de Deus a vida é uma solidão avassaladora!
Reflexão – Machado de Assis, em uma das suas obras, faz esta exortação: ‘Quando não encontrar tudo em um texto, não se aflija nunca. O que fazer? É fácil! Basta fechar os olhos e evocar as coisas que não achou nele. Tudo o que é preciso é o exercício da imaginação criativa’. Ele tem razão.
Nota – Cada um tem a sua história, a sua solitude. Ele nos fez finitos, mas, em tudo, daí graças, porque envelhecer é a vontade de Deus.
Antônio Valdo A. Rodrigues
Serra Negra-SP
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