Quadro vazio?

“Para se atravessar a vida com tranquilidade é preciso manter um bom estoque de esperança”. (Otto Maria Carpô)


Os dias não são iguais. As noites não são iguais. As pessoas não são iguais. Então, por que os quadros deveriam ser iguais?

Não são! Há até moldura vazia, contendo em seu interior apenas um fundo azul celeste. Interessante perceber que sempre estaremos questionando as coisas, voando pelos caminhos do infinito. É o que vamos ver como tudo aconteceu...

Eu fui cortar os cabelos, como sempre faço e com o mesmo profissional. Era agradável aquele momento para nossas conversas descontraídas sobre vários assuntos: a política do Brasil, os desafios do prefeito na cidade, o futebol, os filhos, enfim, todos os assuntos que se conversa em um banco de jardim da praça. Só que aquela conversa estava sendo no salão do cabeleireiro. O detalhe é que nas paredes existiam vários quadros afixados com os motivos mais diversos possíveis: quadro com flores pintadas, com fotos de pessoas conhecidas, quadros com mensagens espirituais: “Este é o dia que o Senhor fez, regozijemo-nos e alegremo-nos nele”. (Salmo118: 29) Em outro estava escrito: “Bem-vindos, aqui somos loucos uns pelos outros”.

Os quadros apresentavam um conteúdo. Todos, menos um! E ele estava em destaque, bem no centro da parede, acima das cadeiras onde os fregueses esperavam a vez de ser atendidos... Havia ali um quadro vazio. Assim mesmo do jeito que o leitor imagina, vazio.

O quadro era pequeno, mas expressivo! A moldura bronzeada, tendo vidro e tudo o mais, só não havia nada em seu interior. E todos olhavam aquele quadro enigmático, mas não entendiam a razão de ser assim... “Vai ver que o Roberto ainda vai por algo no quadro”. ou “Quem sabe caiu a figura...” As cogitações eram as mais irrazoáveis e erradas possíveis... Até que um dia...

Bem, esse dia aconteceu comigo. Foi assim. Eu esperava a minha vez para ser atendido. Após ler o jornal, olhei para a parede e lá estava o quadro vazio. Era ele e eu. O quadro hipnotizava-me por não conter nada! Que coisa estranha! Por que o cabeleireiro tinha que deixar lá aquele estranhíssimo quadro, com absolutamente nada? Que impaciência! Mas hoje eu vou resolver esse problema. Não tenha dúvida, vou esclarecer todo esse imbróglio que me atormenta. Veja que obsessão, só de pensar no salão do barbeiro eu já imaginava o quadro lá na parede a me desafiar... “E aí, ainda não conseguiu decifra-me?” Que coisa não? Ah, quadro, não faça isso comigo! Afinal não precisa me humilhar tanto assim!

E chegou minha vez. “Vamos sentar Valdo! Como vai a vida?” disse ele, acomodando-me à cadeira. “Vamos lutando como podemos!” E conversa vai, conversa vem, já estava quase terminando quando eu não agüentei e fiz a pergunta que estava entalada, há muito tempo, invadindo a minha tranquilidade: “Roberto, o que vem a ser aquele quadro ali? Aquele que só tem a moldura e nada mais?” Roberto sorriu sorrateiramente, fez silêncio, deu os retoques finais no corte do cabelo, sorriu mais um pouco e disse: “Valdo, diga-me o que é para você aquele quadro?” “Nada, respondi: Não vejo conteúdo nenhum. Não há o que se ver dentro da moldura!” “Nada?” Disse ele em tom sério, enérgico, autoritário, profissional, como se fosse um juiz que vai proferir a sentença de acusação: “Nada mesmo Valdo? Tem certeza?” Nessas alturas eu já não falava lhufas, apenas tentava engolir o pouco de saliva que sobrara do impasse causado por minha pergunta esdrúxula...

“Pois é” disse ele, “eu vejo, ali naquele quadro, a figura de Jesus como regente de minha vida a me dizer: ‘Desiste não Roberto! Coisas boas levam tempo... Eu estou com você! Não deixe o ânimo arrefecer. Você é um guerreiro!’ E Roberto continuou, “Eu sei que Ele não vai dar tudo que eu quero, mas tudo o que preciso eu vou encontrar Nele. Tem gente Valdo, que tem ‘excesso de tudo’, mas desperdiça o essencial, a presença de Deus”.

A conversa terminou... Paguei. Fui embora em silêncio, pensando... Deus está na verdade que não se vê, mas se sente. As pessoas vivem presas só ao que veem, mas sempre há espaço para infinitas considerações. E vidas são como quadros. Não existe vida vazia... Existem vidas, cheias de nada... Ah, vou ter em casa um quadro assim, pequeno, sem face explícita, mas com muitas expressões para me apoiar ou me conter nas minhas imperfeições...


Reflexão – Simples assim, não amamos o belo, achamos belo o que amamos. E precisa mais? O mundo está repleto de amor sem fim, mas a nossa falta de fé é perturbadora!


Antônio Valdo A. Rodrigues
Clima Bebedouro

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