Epittáfia só

“A natureza humana é contraditória. Mas o que é o homem senão um amontoado de contradições?” (David Hume)


Toda família tem alguém que é diferente. Que cai que tropeça que tem dificuldade em lidar com a vida. Epittáfia Solano da Clemência Benjamim Constante era assim. Tambem com esse nominho complicado... Ela gostaria que pelo menos Benjamim fosse Beijamim Constante... Ah! Que delicia!

Danadinha heim, com seus quase oitenta anos estava acesíssima, mas, que pena ela vivia só. Sozinha não! Era ela e os seus três gatos: Juliano, Gumercindo e Epaminondas. Juliano dormia em sua cama; Gumercindo no sofá e Epaminondas preferia dormir sobre uma cômoda da sala, ao lado de um lindo relógio de mesa. Ele gostava do tic-tac, tic-tac, marcando as horas. Mas quando ela comprava peixes Epaminondas logo subia na pia para “ver de perto” ela mexer com os peixinhos. E ela ficava esperta, era um olho no peixe e outro no gato. À noite eles saíam para gandaiar nos telhados com as gatas da redondeza. Assim Epittáfia ficava literalmente refém da solidão e pensava: “A perfeição de Deus em nossa vida só acontece quando sabemos compreender e esperar”.

O que Epittáfia não gostava mesmo era de festinhas. Festinhas, que coisa mais sem graça! Já havia participado de muitas nas suas décadas de vida. Ela não agüentava mais o: “Parabéns a você...” Quanta ilusão! E lembrava Machado de Assis: “São assim os seres humanos; as águas que passam e os ventos que rugem não são outra coisa”.

Agora era viver um dia de cada vez porque Deus fez assim. Sua diversão era ver televisão para preencher aquela solidão às vezes resgatando saudades, outras provocando silêncio que só ela era capaz de entender. Assim ela levava o seu destino, vendo programas de artes marciais vale-tudo e se perguntava: “Não faz sentido! Como pode um bruta-monte socar o outro até sangrar e após a truculência o vencedor e o vencido se abraçam?” Era muito “vuco-vuco” prá sua cabeça e concluía: “Será que isso representa ficar feliz por estar triste? Que mundo louco!”

Quando ela via noivas ela murmurava: “Por que a noiva não usa um vestido comum vermelho, azul, amarelo? Precisa ser vestidão e todo branco?”

E o natal? Que extravagante extravagância de gastos com presentes, comilanças gastronômicas. E o pior era ver o Papai Noel no lugar que deveria ser do pai. Que enganação desnecessária. Natal é momento para compartilhar o nascimento de Jesus. Para celebrar emoções humanas materiais existe o ano todo. E o Ano Novo? Com aquela cantilena de sempre: “Feliz Ano Novo!”

Pensando assim resolveu fazer uma festinha antes do Natal e convidar suas 11 amigas. Todas solteiras, viúvas, descasadas na sua faixa de idade e que viviam sós. Epittáfia não gostava de festas, mas aquela seria para suavizar a solidão, dela e das amigas “jovens meninas de ontem”.

Como anfitriã Epittáfia não se esqueceu de nenhum detalhe. Programou tudo com antecedência para que a festa fosse um sucesso.

A começar pelos convites. Ela os fez artesanalmente um a um caprichando nos dizeres, e desenhando velas e flores para dar um toque natalino ao encontro. Ficaram lindíssimos: “Venha querida! A festa de Natal é nossa!”. Sexta- feira, 23 de dezembro às 20 h, aqui em minha casa. Mas não se atrase viu?”. A seguir guardou-os bem, em uma das gavetas da cômoda da sala.

Quanto aos comes e bebes teria o essencial para agradar às visitantes: Tender defumado, bebidas à vontade e outras gostosuras próprias do natal.

E chegou o grande dia. Epittáfia estava lindíssima como um pássaro, mas ansiosa, afinal logo todas estariam reunidas e teriam muito que conversar... Pequenas luzes insistiam em acender cores diferentes na árvore de natal a um canto da sala. Música orquestrada valorizava e harmonizava àquele momento de rara felicidade. As horas iam passando e Epittáfia já estava impaciente. Oito, nove, dez horas da noite e nada! Não chegava ninguém! E não veio ninguém mesmo. Que pena! A vida deveria ser sempre assim, cheia de surpresas, de coisas inesperadas, fora do comum...

É que preocupada com todos os detalhes da festa Epittáfia esquecera o principal: enviar os convites às destinatárias. Os lindos convites permaneceram bem guardadinhos na gaveta da cômoda.


Reflexão – E agora Epittáfia? Só de novo? Tem nada não Valdo, simples assim, eu aprendi mais uma lição do tempo: temos que curtir a vida com tudo que vem com ela e isto importa viver cada instante do dia como ele se apresenta como se tivéssemos só esse momento para viver nossa extraordinária vida comum...


Antônio Valdo A. Rodrigues
Clima Bebedouro

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