Os Homens Pronominais

 

Emprega-se mesóclise quando o verbo estiver no futuro do presente ou no futuro do pretérito do indicativo, desde que não se justifique a próclise. O pronome fica intercalado no verbo. Falar-lhe-ei  a teu respeito. Procurar-me-iam caso precisassem de ajuda. O presidente em exercício Michel Temer voltou a repetir que não irá interferir nas atividades de outros poderes e, que não vê problema em reconhecer erros. Acrescentou que sabe governar. Muitas e muitas vezes se diz que estamos em busca de eliminar ou dificultar qualquer investigação. Isso contestaria o que disse em outros momentos. Não posso invadir a competência de outro poder. Não vamos impedir a apuração com vistas à moralidade pública e administrativa. Ao contrário, vamos sempre incentivá-la – disse Temer de modo enfático.

Reunido com os líderes dos partidos que apóiam o governo, no seu primeiro pronunciamento televisionado depois do ato em que empossou seus ministros, Temer declarou:- As pessoas se acostumaram a quem está no governo não poder voltar atrás. Nós somos como o JK (Juscelino Kubitschek), nós não temos compromisso com o equívoco, portanto, quando houver algum equívoco governamental nós reveremos este fato. (...) Agora, meus caros, quando eu perceber que houve um equívoco na fala, um equívoco na condução do governo, eu reverei essa posição. Não tem essa coisa de não errei, não aceito errar, posso ter errado e procurarei não errar. Mas se o fizer, consertá-lo-ei.Temer respondeu às críticas que a oposição lhe faz, principalmente a que põe em dúvida sua legitimidade:

— Eu sou uma conseqüência da Constituição. Não eu propriamente. O vice-presidente da República é uma conseqüência do texto constitucional. Portanto, quero refutar aqueles que a todo instante pretendem dizer que houve uma ruptura com a Constituição. Isso não é verdade. [...] Estou fazendo esses comentários apenas para revelar que não temos que dar atenção a isso, temos que cuidar do país. Aqueles que quiserem esbravejar, que façam como quiserem, apenas o façam pela via democrática.

Estava agastado. Mais do que isso: furioso com militantes de movimentos sociais que cercaram sua casa, em São Paulo, gritando palavras de ordem contra ele e assustando sua mulher e o filho de sete anos de idade. A auxiliares, ele havia antes desabafado:

- Mexer com a família, é inadmissível. Quer fazer protesto, vem aqui para a porta do Jaburu (residência oficial de Temer) e não para a porta da minha casa, onde está minha família. Isso não é possível. Sim, este artigo trata de um mera questão de forma. Porque, se procurarmos bem, sempre haverá belos sinais de conteúdo, Mas não é só isso. Num momento  em que o provocador Sergio Machado faz o papel daquela mulher oferecida do "teste de fidelidade" da TV e convida todos a confessar revestindo as tramóias brasilienses, começa a se esboçar para a historia do impeachment um enredo em que todos lados da guerra política se igualam em todo os lados no objetivo de salvar a própria pele da ameaça representada por um togado que não sabe brincar. Num contexto político em que distinções clássicas de conteúdo tendem  virar geléia no tacho do fisiologismo universal, prestar atenção as diferenças de forma talvez ganhe ainda mais importância. Procuraremos não errar mas se o fizermos concertá-lo-emos, disse Michel Temer  ao anunciar suas medidas econômicas ao anunciar ao lado do Ministro da Fazenda Henrique  Meireles.Houve quem apontasse o descompasso  entre aquela ostentação  mesolítica e os pequenos  deslizes gramaticais que cometemos. Se o governo não promover acordos e alianças importantes nós a implantá-lo-mos

 

Mais que gramatical, o problema da mesóclise é de cultura. Faz mais de meio de século que os linguistas sabem disso: colocação do pronome não é camisa de força sintática. Depende da fonética, do uso da historia, do estilo da comunidade de falantes. Mesmo assim os ultraconservadores insistem em impor a colocação lusitana como padrão, traço de subserviência cultural que seja  incompreensível, para não dizer imperdoável, quase um século depois da Semana de Arte Moderna. Temer com ares de quem quer concluir mas não pode, continua a afastar a idéia  de que a colocação brasileira é inferior à que os portugueses observam, escreve o autor da Moderna Gramática Portuguesa. Um radical? Longe disso: aos 88 anos, membro da Academia Brasileira de Letras, Evanildo Bechara é o mais respeitado gramático brasileiro vivo. Segundo José Roberto de Toledo, Temer deixa para depois: Está cada vez mais claro que o único "rumo certo" do governo Temer é deixar de ser interino. Nada além do simbólico deve ser votado pelo Congresso  Nacional até que o Senado julgue e impeça definitivamente Dilma Rousseff, o que não vai ocorrer antes de agosto. Até lá, nenhuma reforma importante ou decisão com impacto imediato sobre o equilíbrio das contas públicas deve acontecer- descontados os arroubos retóricos e promessas vãns.

Risco para Temer, cultor dessa curiosidade gramatical é que pronome interposto ao  verbo vire metáfora de seu governo.

 

 

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